27/10/2025

STJ determina perícia sobre responsabilidade por golpes

Fonte: Valor Econômico

Uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que
seja feita uma perícia na área de compliance e gestão de riscos da PagSeguro,
em um caso sobre fraude bancária. O pedido foi feito pelo Santander, que arcou
com o prejuízo de uma transação feita por golpistas. O banco alegou, nos autos,
que a credenciadora não estaria respeitando normas regulatórias e internas para
verificar quem são seus clientes.
É o primeiro precedente do STJ sobre o assunto, segundo advogados. As
discussões que chegaram no Judiciário até então sobre o sistema de arranjo de
pagamentos envolvem consumidores e lojistas contra instituições financeiras.
A diferença, neste caso, foi um banco entrar com ação contra uma
credenciadora - ambos integrantes do sistema brasileiro de pagamentos -
pedindo a responsabilidade civil pela fraude ocorrida, devido a uma suposta
falta de controle interno de clientes.
De acordo com especialistas, o caso tem relação direta com a ampliação do
acesso ao sistema financeiro e de pagamentos visto no Brasil nos últimos anos.
Entre 2018 e 2023, mais que dobrou o número de usuários ativos que ou
realizaram pagamento via PIX, transferência (TED) ou tinham operação de
crédito ativa. O aumento se justifica pelo auxílio emergencial na pandemia da
covid-19, criação do PIX e novas instituições em operação no mercado.
O número de usuários ativos cresceu 103,2% e houve aumento de 97% da base
de clientes pessoas físicas, que passaram de 77,2 milhões para 152 milhões. Já o
número de empresas teve expansão de 3,4 milhões para 11,6 milhões - uma taxa
de crescimento de 244,5% no período. As informações constam no Relatório
de Economia Bancária (REB) 2023, do Banco Central (BC).
Na visão de advogados, houve uma certa “frouxidão regulatória”, que propiciou
o aumento das fraudes e uso do sistema para lavar dinheiro. Alguns dos
esquemas foram revelados pelas recentes operações policiais feitas na Avenida
Faria Lima, envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC). Agora, dizem
eles, seria o momento de puxar o freio e redobrar o cuidado, sobretudo com
contas novas.
O caso analisado pelo STJ envolve o uso de conta fraudulenta feita por golpistas
no Santander, aberta com documentos falsos, com o intuito de transferir
dinheiro para um suposto estabelecimento comercial, por meio da PagSeguro.
A quadrilha tomava empréstimo com o banco e desviava benefícios do INSS,
repassando valores para uma loja credenciada da empresa de maquininha de
cartão. Foram desviados R$ 40,7 mil.
O banco assumiu o prejuízo, mas entrou com ação contra a PagSeguro para
pedir a responsabilidade. Em termos financeiros, segundo especialistas, a ação
não teria tanta repercussão, mas seria importante pela tese, pois situações como
essa são recorrentes para as instituições financeiras. Até então, as decisões
foram desfavoráveis ao banco.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença favorável à
PagSeguro, pois não viu responsabilidade da empresa na fraude, já que não
participou nem se beneficiou do esquema. O TJSP reconheceu que o Santander
teria culpa, pois “deu causa à abertura de contas frias, as quais operaram por
tempo razoável, apenas sendo encerradas quando uma das vítimas lhe
apresentou reclamação”.
No STJ, o banco recorreu alegando que a credenciadora deveria ter verificado
se o estabelecimento comercial era legítimo, além de ter feito o monitoramento
das transações para impedir a prática de atividade fraudulenta. No recurso,
também diz ter havido cerceamento de defesa, pois foi indeferido o pedido de
produção de prova. Elas seriam necessárias, segundo o Santander, para
desvendar a controvérsia, pois se verificaria se houve a adoção dos deveres
legais e regulatórios do Banco Central.
No voto, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, autorizou esse pedido
e determinou o retorno dos autos para o TJSP fazer uma perícia. Deve ser
apurado, de acordo com ele, “se houve defeito na prestação do serviço de
credenciamento” e “quais condutas foram efetivamente decisivas para o
resultado danoso”. Se houver concorrência de culpa, acrescenta, deve ser feita
uma “divisão do dever de ressarcimento na proporção da contribuição de cada
um dos agentes para o resultado danoso".
Na visão do ministro, “em casos de fraudes, a credenciadora pode ser
responsabilizada por danos aos demais integrantes do arranjo de pagamento
caso não ofereça segurança mínima e não cumpra as disposições
regulamentares, podendo sua responsabilidade também exsurgir das próprias
disposições contratuais entabuladas entre ela e os demais personagens
envolvidos em tais operações”.
Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rafael Bianchini, também
auditor no Banco Central, a princípio, as duas instituições falharam nas
obrigações com o órgão regulador. “Fico em dúvida de quem falhou mais, mas
esse problema de pouca autentificação é enorme”, afirma. “Pessoal pensa que
tudo se resume a reportar para o Coaf [Conselho de Controle de Atividades
Financeiras], mas é preciso conhecer o cliente e fazer a autentificação”, diz.
A verificação mais rígida deve ser feita, acrescenta Bianchini, principalmente
com a proliferação de contas laranjas e golpes na internet. “Existe o lado bom
de que é relativamente fácil abrir uma conta no Brasil, mas tem o outro lado de
que não existe uma quarentena e as contas não ficam sujeitas a uma análise mais
detalhada. É tudo muito solto”, afirma.
Esse tipo de controle maior deve ser feito com as novas contas, como já é
realizado em outros países. “Na China, se você faz uma conta nova no banco
ou em instituição financeira, tem duas opções: ou faz a autentificação com mais
dados, presencial, ou a conta fica em uma quarentena com movimentação
restrita, para evitar uso como laranja”, adiciona Bianchini. Também seria
possível pensar em “até que ponto vale a pena apertar a regulação”. “Isso cria
um custo para o mercado, mas pode trazer mais segurança e evitar que esses
incidentes ocorram”, afirma.
O advogado Leonardo Pelati, especialista em compliance e recuperação de
crédito, diz que o precedente é inédito. “Reforça que as credenciadoras devem
adotar mecanismos robustos de ‘know your client’”, afirma. “A decisão
evidencia que a ausência de práticas sólidas de compliance e gestão de riscos
pode resultar em responsabilização civil pelas fraudes ocorridas, fortalecendo a
prevenção e o combate a esse tipo de ilícito no sistema financeiro”, completa.
Em nota ao Valor, o Santander diz que “por conta da falta de cumprimento das
normas e procedimentos prudenciais (due dilligence e know your
client/custumer), a responsabilidade pelo credenciamento de usuário inidôneo
em arranjo de pagamento é única e exclusivamente das empresas de adquirência,
ou seja, das credenciadoras (maquininhas)”. Já o PagBank, dono da PagSeguro,
informou que “não comenta sobre processos judiciais”.
O Banco Central afirma, também em nota que, na regulamentação dos arranjos
de pagamento (AP), a Resolução BCB nº 150, de 2021, “não há previsões diretas
de obrigações aos credenciadores, apenas do dever do instituidor do arranjo de
estabelecer em seu conjunto de regras (regulamento do arranjo) as questões
relacionadas às obrigações dos participantes do arranjo no desempenho das
atividades previstas no âmbito do AP”. O órgão acrescenta que não tem dados
sobre quantidade de fraudes bancárias envolvendo credenciadoras.